FONTE: Fábio R. Sussel, pesquisador científico, sussel@apta.sp.gov.br, Polo Regional de Desenvolvimento Tecnológico dos Agronegócios da APTA (*), Pirassununga (SP), www.apta.sp.gov.br, 3 de abril de 2013
POUCOS SABEM, mas todo crustáceo, quando fresco, apresenta sabor adocicado: camarão, lagosta, siri e caranguejo, dentre outros, seja de água doce ou de água salgada. Tal característica se deve à presença do aminoácido glicina, encontrado em grande quantidade na proteína dos crustáceos. Apesar de parecer contraditório, é comprovado cientificamente que o camarão marinho, por exemplo, é mais adocicado que o camarão de água doce. Isto porque o aminoácido glicina (de sabor doce) é o responsável por fazer a osmorregulação dos crustáceos, e, como a água salgada oferece maior pressão que a água doce, considerando a necessidade do equilíbrio osmótico, a quantidade de glicina nos crustáceos marinhos é maior, proporcionando o sabor mais adocicado a esses animais, quando comparado com o dos crustáceos de água doce.
Entretanto, torna-se necessária uma ressalva. A característica sabor adocicado só é perceptível em crustáceos frescos ou muito bem conservados em freezer. Reconheço que, em geral, as pessoas têm dificuldade de perceber a característica adocicada dos crustáceos, em especial do camarão, o mais consumido dentre os representantes desse grupo. Infelizmente, são raras as oportunidades de se encontrar camarão fresco e bem conservado no comércio, salvo algumas exceções, em estabelecimentos do litoral ou naquela rara oportunidade de encontrar com um pescador ribeirinho retornando da pesca. No interior, ou seja, longe do litoral, o consumidor jamais terá oportunidade de apreciar o sabor adocicado do camarão marinho; por experiência própria, nunca consegui encontrar nas gôndolas de supermercado um camarão adequadamente fresco. Isto só será possível através do camarão de água doce, já que este, além de ser cultivado em águas continentais, ou seja, próximo ao consumidor interiorano, também é abatido no gelo e conservado em temperaturas baixas.
Camarão é algo tão bom, que, mesmo num estágio mais avançado de conservação, continua saboroso. No entanto, o verdadeiro sabor do camarão, bem como de todos os demais crustáceos, é doce. E o grande barato ao apreciá-lo é a oportunidade de sentir um leve tempero salgado por fora, contrapondo-se ao sabor adocicado original. Isso proporciona um equilíbrio agradável, independente do grau de refinamento do paladar de quem consome o produto. O problema é que o nosso cérebro está condicionado a identificar o sabor salgado quando comemos o camarão. Eu até mesmo aprecio um camarão ‘salgadinho’, porque geralmente comemos camarão acompanhado de cerveja gelada; é fato que uma coisa combina com a outra. Porém, é necessário deixar claro que esse não é o verdadeiro sabor do camarão. Originalmente, ele tem sabor adocicado.
Tal questão coloca em desvantagem o desenvolvimento do cultivo de camarão de água doce (pitu havaiano) no Brasil, já que as fazendas que cultivam essa espécie seguem todos os protocolos de abate e conservação em baixas temperaturas, mantendo o frescor e a qualidade do produto. Então, quando a população em geral tem a oportunidade de consumir um produto como esse, automaticamente o cérebro prepara o paladar para algo salgado. Ao mastigar e perceber o sabor adocicado, inevitavelmente vem o comentário: “Ah, é doce. Deve ser porque é de água doce”.
Não, minha gente, é doce por estar fresco. Conforme citei, originalmente o camarão marinho é mais doce que o camarão de água doce; ocorre que, infelizmente, o camarão marinho não chega com um frescor ideal em regiões do interior.
Finalmente, devo registrar que todo camarão é saboroso, seja de água doce ou de águas marinhas, desde que esteja fresco. Camarão de água doce é um ‘bicho’, camarão marinho é outro ‘bicho’. Ambos são bons, porém, ‘bichos’ diferentes e, portanto, devem ser apreciados de forma diferente. E jamais um competirá com o outro por mercado, pois possuem nichos diferentes de mercado. Aprecio os dois; quanto mais, melhor!
(*) A APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios) pertence à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Revisão do texto: Márcia Navarro Cipólli, navarro98@gmail.com
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